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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Meu pai...


Ontem seria seu aniversário e a saudade de você bateu mais forte... Faço as contas e, assustada, confirmo que já se passaram 27 anos desde que você se foi! Coisa estranha, a forma como o tempo acomoda as lembranças dentro do coração. Mas, de vez em quando, a saudade represada derruba a barreira imposta pelo tempo e de novo as lembranças ressurgem, fresquinhas, como se tivessem acabado de acontecer... Você não foi apenas meu pai – foi meu amigo, companheiro, cúmplice, o meu maior fã! Em pequenos gestos, você revelava o amor que havia em seu coração, mesmo que tentasse esconder o quanto o carinho de seus oito filhos fazia você feliz! Era tão bom receber seu abraço, depois de uma longa viagem, quando eu voltava para visitar você e mãe. Saudosa, eu me segurava em seu pescoço e o cobria de beijos e você, fingindo-se bravo, limpava o rosto com a mão, dizendo que não gostava dessas coisas... Eu ria e, sem me importar com seus protestos, beijava você uma, duas, três... – quantas vezes fossem necessárias para você desistir e receber, de bom grado, o que seu coração já havia aceitado desde o primeiro instante! Até que chegou o dia que você ofereceu o rosto para receber o meu carinho sem qualquer resistência.
Ah! meu pai! Sinto tanto sua falta... De sua sabedoria amiga, das muitas vezes que me ensinou sem dizer uma palavra. Das outras em que falou e suas palavras foram um bálsamo para o meu coração. De outras em que você apenas segurou a minha mão e sua força passou a ser a minha força...

Uma Carta de Amor...

 
 
 
 
Mais por saudosismo que por necessidade real, ele tirou a noite para procurar um antigo livro do curso de engenharia que, lembrava-se, tratava do mesmo assunto que iria levar para seus alunos na próxima aula. Havia feito nele algumas anotações e os exercícios, que seriam bem esclarecedores para os objetivos que tinha a alcançar com o modulo atual. Estava concentrado em folhear livro por livro de sua biblioteca quando viu uma folha, cuidadosamente dobrada, cair a seus pés. Surpreso e curioso, abaixou-se para ver de que se tratava. Quando abriu, viu a caligrafia redonda e miúda que se desenhava sobre o papel. Depois seus olhos começaram a correr pelas linhas de uma carta de amor, onde quem a escreveu desabafava sua saudade e confessava um amor tão imenso que, sem perceber, ele sentiu-se sugado por antigas e doces lembranças.
O nome ao final da carta trouxe-lhe a certeza de recordações que foram ficando mais nítidas, quanto mais ele lia. Viu-a de novo à sua frente – rosto moreno, corpo de formas arredondadas, sorrisos e lágrimas fáceis, provavelmente aumentados pelos hormônios da adolescência. Seu nome era Alice. A deles poderia ser mais uma história banal - com princípio, meio e fim, se não fossem alguns pequenos detalhes, que se revelaram desde o primeiro instante. Ele se apaixonou por ela logo que a viu. Aquele foi um momento inesquecível, que parecia mais um reconhecimento mútuo que propriamente um primeiro encontro. Ele teve certeza que ela era a mulher que esperara em toda sua curta vida de 17 anos! O encantamento foi tão forte que não teve outra alternativa senão se entregar ao sentimento de amor recém descoberto - única maneira de assumir o papel de protagonista naquela história romanceada. Sentiu-se naturalmente aturdido, ao constatar que tudo aquilo com que sempre sonhara, se materializava diante de seus olhos. Pela primeira vez comprovou que, quando a gente quer muito uma coisa, acredita plenamente no que vê e sente. Afinal, “perder o equilíbrio por amor, faz parte de viver uma vida equilibrada”, já disse algum escritor famoso. Para ele ficou a dúvida se tudo que viveram foi real mesmo ou se foi apenas o sonho dentro do primeiro sonho. Mesmo sem garantias absolutas, acreditaram que seriam felizes para sempre! Traçaram planos; promessas e juras de amor foram trocadas. O encontro deles parecia ser um acontecimento predestinado.
Porém, mesmo diante de um amor assim, a vida não poupou suas surpresas e desmanchou os planos que pareciam imutáveis. Em certo ponto da história o romance terminou e foi preciso voltar a encarar a vida real. Cada um foi trilhar seu próprio caminho e viver sua própria realidade. Nada mais sabe sobre ela – onde está, como está. Apesar da dor da separação, precisou seguir em frente com sua vida.
Já se passaram muitos anos, desde aquele tempo. Hoje vive a sua própria realidade. Mas, diante daquela carta de amor antiga, surge nele a sensação estranha de que nada do que vive agora é completamente real. Afinal, talvez o presente seja apenas o sonho dentro de outro sonho - não ainda o sonho final...
Neste momento o telefone toca. Demora a se levantar da cadeira, para ver se a pessoa desiste, mas ele continua a chamar insistentemente. Resolve atender, desgostoso de que viessem interromper o fio de suas lembranças.
- Alô... diz ele secamente.
- Alô, responde a voz do outro lado. Posso falar com Lucas?
- É ele. Quem fala?
- Oi, Lucas! Que alegria poder falar com você, depois de tantos anos! Talvez você não se recorde de mim... Meu nome é Alice...
- ...
- Alô? Lucas? Você está aí?
- ...

Fluxo do Tempo



O tempo é como um cinzel que esculpe, ininterruptamente, pequenas modificações no corpo e na alma. Sob a ação de sua lâmina afiada, tudo aos poucos se transforma! No físico seu trabalho pode ser gradual e não deixa perceber, em tempo real, as pequenas intervenções que realiza. Faz um trabalho sutil de desconstrução diária. Já na alma, sua ação pode modelar o caráter, suavizar suas arestas, desenvolver e aprimorar a inteligência e o espírito para, quem sabe, tornar o ser cada dia mais semelhante ao modelo original.
Na vida, o passar do tempo também promove mudanças! Ele leva, presos em seu corpo etéreo, pedacinhos de vida que nunca mais voltam a se juntar. Leva a outra parte do amor que ficou; leva os sonhos e a beleza da juventude. Leva os amigos e os espalha pelo mundo; leva os seres queridos, um a um, para um lugar que ninguém sabe onde fica. Leva as dores da alma que pareciam incuráveis; leva as lembranças – boas, ruins e felizes, um pouco a cada dia. De pouco em pouco, leva até a vida...
Mas, o tempo também traz coisas preciosas. Traz as certezas que não foram sentidas na juventude. Traz a realidade diária com suas tristezas, alegrias, derrotas e vitórias. Traz uma prévia do futuro a cada novo nascer do sol. Traz o retorno do amor semeado, tanto mais sincero e incondicional, quanto menor seja a obrigação da colheita. Traz também a gratidão ao comprovar os pequenos motivos de felicidade que a vida oferece a cada dia.
Como agente imparcial, o tempo leva e traz muitas coisas! Posso até dizer que numa concessão rara - bem rara, por certo - devolve a nossa vida alguém que um dia ele levou.