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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ainda me lembro...


Ainda me lembro do tempo que eu era criança e minha mãe usava um código para sinalizar que ninguém a interrompesse, quando precisava concentrar-se em alguma de suas costuras mais elaboradas. Sua voz afinada elevava-se no ar, preenchendo os espaços da escala musical suavemente, com os sons nostálgicos de alguma melodia antiga. Ela cantava de maneira tão bela que nada e nem ninguém ousava interromper aquele momento! Assim, sua voz imperava soberana, sobrepondo-se a todos os outros sons característicos de mais outro entardecer.
Se estava brincando por perto, parava tudo que estivesse fazendo para escutá-la. De uma forma que não conseguia explicar, sentia que seu canto saía do mais profundo de seu ser, mesmo que a minha mente incipiente de criança ainda não pudesse compreender o significado das palavras, ou os anelos do ser que as expressava. Meus ouvidos apenas acompanhavam os sons que tocavam meu coração! Simplesmente deixava-me envolver por uma doce emoção, que ia muito além do que a minha pouca idade tinha condições de verbalizar.
Hoje, arrisco-me a dizer que talvez sua voz despertasse em mim a saudade de um passado longínquo e feliz, anterior a essa vida. Ou, quem sabe, a intuição de obstáculos que enfrentaria no futuro, aos quais não teria como evitar e nem a teria por perto para ajudar-me a vencê-los. Assim, mesmo que a minha alma ainda não consiga determinar, com toda a certeza, os motivos para a emoção que me envolvia, meu espírito certamente conhece suas origens. Quanto aos seus objetivos, permanecem guardados como fragmentos de vida na caixa imaterial da existência. Certamente para provar que todos os instantes da vida, por singelos que sejam, guardam em si um segredo, que nem sempre e nem todos conseguem revelar.

A Cura



Depois de um longo período de enfermidade, estou liberada para levar minha alma para passear! Ainda entorpecida pelo tempo de imobilidade, dou passos incertos na direção do sol, que lá fora, felizmente voltou a brilhar. O cálido calor de seus raios aos poucos vai penetrando e se espalhando por todo meu ser, dissolvendo a rigidez de meus membros e devolvendo-me à vida. O céu límpido, em tons claros de azul, favorece que uma brisa morna sopre por entre meus cabelos, espalhando no ar os últimos pensamentos de tristeza que ainda teimavam em não querer partir.
Meu coração, já mais fortalecido, volta a cantarolar uma doce canção de esperança e imediatamente sinto que todas as minhas células ficam mais leves e translúcidas, libertando-me das limitações impostas pelas leis da física. Meu corpo suavemente alça voo, numa evolução leve e graciosa. Como num passe de mágica, vejo surgir no horizonte pessoas e lugares que fizeram parte do meu passado. Revivo situações da minha vida, o que favorece a compreensão e consolidação do aprendizado. Agradecida, reafirmo internamente que nada na vida acontece por acaso ou é em vão!
O voo prossegue, revelando-me uma sucessão de paisagens, fatos e imagens. Não sei se tem rota predeterminada ou horário de chegada. Talvez desfrutar deste momento único seja sua origem e máxima finalidade! Finalmente compreendo que, mesmo tendo demorado, começa a acontecer a cura!

Crises interiores

Para falar a verdade, junto com você não foram embora apenas meus sonhos de felicidade. Foi embora também a inspiração que guiava minhas mãos e a vontade que me fazia realizar os planos mais fantásticos. Foi embora o jeito travesso de enxergar a vida e o brilho no olhar de quem guarda um segredo bom.
Confesso que, no fundo do meu coração, eu acreditava em finais felizes... Mesmo quando ninguém podia prever que no final da história, o galã ficaria com a mocinha feia de olhar sonhador. Tudo era apenas uma questão de tempo e de foco. Pois um dia, em algum momento, algo de bom poderia acontecer! Amores impossíveis se realizariam, planos secretos e mirabolantes se concretizariam, o que compensaria o sofrimento anterior e faria com que o vivido tivesse valido a pena.
Hoje eu me estranho, sem conseguir conviver bem com esta que me tornei. Tenho hoje um oco no lugar do coração – não sinto, não desejo, não faço planos. Quando se faz necessário, sorrio, mantenho uma conversa interessante, para dar sinais de inteligência e camuflar minhas crises interiores. Contudo, a realidade agora mantém meus olhos abertos, bem abertos, e os pés pregados no chão. Para não mais sonhar ou acreditar que um dia você pode querer voltar!

Lembranças...

 
A saudade chega e toma meu coração de surpresa e não há tempo para segurar as lágrimas, que correm livres como um rio que não tem barreiras de contenção. Minha mente desliza nas águas das lembranças e tento pescar, entre elas, alguma que seja mais feliz. Lá do fundo trago imagens de presenças queridas, a sensação de cheiros e sabores de tardes da infância, o conforto de cuidados e a certeza de amores que já não tenho mais aqui. Contudo, nada encontro que tenha o poder de devolver-me as esperanças e certezas que o tempo tirou de mim e poder, dessa forma, escapar da cilada a que meus sonhos me conduziram!
Triste, constato que nem tudo consigo mudar e tento convencer-me que chegou a minha hora de desistir do amor. Para ficar de acordo com a minha solidão atual, escolho acreditar que ele não nasceu nesta vida e está apenas a esperar meu regresso, em algum lugar, para enfim vivermos o nosso amor. Ou talvez, eu tenha apenas perdido a hora certa de encontrá-lo, enquanto fui atraída e envolvida por algum mero imitador.