A terra seca não é mais seca que teu corpo de criança, onde os ossos aparecem mais que a tua carne magra. Tudo é calor à tua volta e os insetos voejam, procurando pouso ou um resto de comida. Tenho vontade de tocá-lo mas receio que este simples movimento coloque em risco teu equilíbrio frágil. Apenas teus olhos, negros e imensos no teu rosto miúdo, penetram nos meus e arrancam um suspiro fundo do meu peito, desestabilizando meu coração.
No mormaço empoeirado do dia, teus sonhos de criança se transformam em miragens e só tua imaginação infantil consegue enxergar brinquedos nos seixos e ossadas de animais, reproduzindo o que teu mundo limitado pode permitir. Mesmo que essas diferenças me angustiem, sinto-me impotente para mudar tua sina, que se arrasta através dos tempos.
Se meu foco se afasta um pouco de ti para observar o realidade miserável que o cerca, ela em nada é diferente daquela que modelou teu corpo e pregou essa interrogação e esse pedido mudo em teu olhar magro. Só as sombras negras da morte e da fome perambulam pela paisagem vermelha e quente, onde não é possível distinguir a diferença entre ser humano e animal, nessa luta pela sobrevivência.
Lembro do meu pequeno mundo quase feliz e ele se torna um insulto diante de teu sofrimento. Minha mão automaticamente se estende, tentando amenizar tua fome de amor e de alimento, mas apenas encontram o frio da tela do computador!