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terça-feira, 13 de setembro de 2011
A Casa da Estação
A lembrança do que era antes, guardada por tantos anos como uma relíquia antiga, tentou se encaixar na imagem que tinha diante dos meus olhos! Olhei atentamente em volta, na esperança de confirmar que apenas havia errado o endereço. Infelizmente, os pontos de referência indicavam que tudo estava correto, mesmo que modificados pela ação do homem e do tempo. O largo Dom João, a Basílica do Sagrado Coração de Jesus, a estação da Central do Brasil – transformada na atualidade em posto do Corpo de Bombeiros. Diante de meus olhos, indiferente ao que se passava dentro de mim, a casa me encarava com seu perfil moderno e suas janelas largas, recortada em sombras contra o céu avermelhado do entardecer...
De repente vi-me outra vez menina, desprotegida e solitária dentro de mim mesma, órfã de minhas mais doces lembranças. Não era apenas a ausência física o que doía tanto. Era, sobretudo, a decepção dos planos não realizados! Tantos quilômetros percorridos, na esperança de rever a encantadora fachada de alpendre com gradil de madeira, que ocupava quase toda a frente da casa. Poder outra vez percorrer seus inúmeros quartos e salas, olhar o mundo através de suas janelas estreitas e elegantes ou ver o porão que outrora despertara os temores da minha imaginação infantil. Entretanto, nada à minha frente lembrava a casa de antes. O único elo que poderia unir os dois tempos da minha história havia se partido!
Como um filme que roda ao contrário, recordei-me que, em sonhos, eu percorria seus imensos corredores – tão altos quanto podia enxergar a minha pequenez de criança. Passeava por seu jardim colorido com rosas, giestas e margaridas, talvez procurando uma parte da menina que deixei ali. Na casa da minha infância vi nascer meus primeiros sonhos, senti meus primeiros medos, experimentei as primeiras alegrias e decepções da minha vida. Em cada parede deixei impregnada uma parte da história que de novo eu queria ler para, quem sabe, compreender os sonhos, os medos, as alegrias e tristezas da mulher que me tornei.
Inesperado, o som estridente de uma buzina arrancou-me do meu devaneio. A tristeza que experimentei naquele momento foi tão grande que nada parecia suficiente para amenizá-la! Chorei de raiva, decepção, dor, saudade... Mas, estranhamente, depois de derramar todas as minhas lágrimas inconformadas, algo começou a se aquietar dentro de mim. Como se o sal nelas contido tivesse o poder de exorcizar os velhos fantasmas que havia carregado comigo durante tantos anos.
Lembro que naquela noite meu sono ainda foi conturbado, como se estivesse processando os últimos acontecimentos e reacomodando as lembranças dentro de mim. O que sei é que, depois desse dia, os sonhos foram se espaçando, até que raramente voltam a acontecer. Talvez, eu tenha me curado da saudade do passado...
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