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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Travessuras de um Vento Antigo



Naquele dia, como se fosse uma criança, o vento acordou logo cedo, com vontade de brincar. Soprou a roupa branca do varal da Maria e levou para bem longe, onde ela custasse a encontrar. Carregou o chapéu de Seu João e foi depositar nos braços da vizinha, que ele admirava de longe, sem ter coragem de se aproximar. Pegou o laço de fita da Joaninha e desmanchou. Ela voltou para casa chorando e pediu para a mãe arrumar. Levantou a saia da moça bonita que andava devagar, só para encantar o rapaz que espiava da janela, o que o fez suspirar com suas prendas. Desenhou redemoinhos com as folhas das árvores espalhadas pela calçada da praça, recriando um balé sem pernas e sem braços. Derrubou alguns doces deliciosos que a Cidinha colocou para secar sobre a mesa do quintal, para a alegria das crianças, que antes, nem perto podiam chegar. Espalhou as rosas que a Vera deixou no parapeito da varanda, enquanto foi buscar o vaso. Cada uma delas caiu no colo de alguém que precisava viver essa alegria. Fez voar para bem alto e bem longe a pipa que Pedrinho ganhou, até ela virar um pontinho no céu. Naquele dia ele se sentiu o melhor empinador de pipas da região!
Mas, esse vento brincalhão não pertence aos dias de hoje. Ele existiu nos meus tempos de menina, lá pelas serras de Diamantina, quando a natureza também gostava de brincar! Hoje ela já não está tão feliz. De tão sofrida e judiada, perdeu sua graça e devolve, com força multiplicada, as agressões que o homem lhe faz.

Restaurando a Alma



Tenho saudades de outros tempos, de outras paragens, de velhos amigos, de tantos pedacinhos de minha vida, que ficaram para trás... Uma saudade despretensiosa, que surge inesperadamente e que não tem por objetivo trazer de volta quem ou o que já passou. Ela existe por si mesma, sem gosto definido, vazia de arrependimentos ou desejos escondidos. Como se apenas quisesse unir, por um instante, dois tempos, dois lugares, duas pessoas que estão distantes no presente ou apenas a que sou hoje e a que fui anos atrás.
Nesses momentos, muitas vezes eu me pergunto por que a vida muda ou distancia o que antes já foi tão unido. Demorei a aceitar que as separações não se devem apenas aos fatos da vida. Na verdade elas são o resultado de mútuas e repetidas incompreensões, de indiferenças acumuladas, do esquecimento que faz apagar o bem recebido, da intolerância com as pequenas diferenças, da impaciência com as pequenas limitações de cada um. Ou, resumidamente, elas são as consequências tardias da pressa de viver, da novidade atraente que se insinua e ocupa o lugar do que antes era tão bom!
Com a alma restaurada, descubro que a minha saudade é uma revelação!