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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sobre trilhos


Ultimamente, tenho finalizado meus textos com uma imagem que se encaixe na ideia central que eu quero passar. Como se fosse o retrato do pensamento que está na minha mente. Porém, onde existe uma regra, sempre há uma exceção. Neste caso, a que ilustra este texto fez o caminho inverso. Esta capturou meus pensamentos logo ao primeiro olhar, antes de escrever sequer uma linha.
Não por acaso, ela me remeteu a uma visão familiar à minha infância, transcorrida em frente às linhas da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Diamantina. Junto com outras crianças, muitas vezes brincava de andar sobre os trilhos. A aposta era ver quem se mantinha ali por mais tempo, sem cair. Sem que soubesse ainda, aquela brincadeira era uma antecipação do mesmo equilíbrio que deveria ter no futuro, para trilhar os acidentados caminhos que encontraria pela vida.
Hoje, algumas vezes preciso aceitar que não estou no comando de todas as situações – em relação a nada e a ninguém e que não são apenas as minhas ações e decisões que determinam o encaminhamento dos fatos. Preciso repetir isto mentalmente para não me ver pior, ou melhor, do que sou; nem enxergar o outro pior, ou melhor, do que consegue ser. As palavras, sozinhas, não podem definir ninguém e os fatos, mesmo inquestionáveis em outros momentos, percorreram caminhos que, hoje, muitas vezes se divergem. O resultado disso é uma ruptura na rota, uma bifurcação nos trilhos que, antes, corriam no mesmo leito do trem.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por falar em saudade...


Saudade tem o costume deselegante de aparecer sem marcar horário. Mesmo quando é esperada, provoca um desassossego no coração; mesmo quando é boa, deixa um gosto de nostalgia. Suas causas e consequências são diversas e imprevisíveis.
Gosta de chegar de mansinho, como quem não quer nada e, quando me dou conta, já ocupou meu coração inteiro, sem dar a ele a menor chance de escapar. Outras vezes fico tão atordoada com sua força, que tento abrir uma porta no meu coração e ir embora, deixando-a para trás com as lembranças que trouxe. Em outros momentos, essas mesmas lembranças são transmutadas em razões inquestionáveis, para que eu queira ficar e lutar...
Já mergulhei voluntariamente em suas águas turbulentas, sem ter qualquer noção para que lado elas me levariam e confesso que algumas vezes foi difícil voltar. Já chorei de saudade, escondida num canto, sem poder falar com ninguém o motivo, só para não ouvir que eu já tinha sido alertada. Já ri sozinha, quando a saudade me fez lembrar um momento mágico de alegria – vivido em algum ponto da vida, que nunca mais pude esquecer. Já quis sumir para um lugar onde ela não me alcançasse; já perdi o fôlego quando ela ficou maior que o ar que cabia em meu peito. Já fiz de tudo para me desencontrar dela, por saber que ela chega assim que algo ou alguém especial acabou ou partiu. Até pensei que o melhor seria dividir a saudade em mil pedacinhos, para que ela nunca mais volte a ser inteira. Talvez assim possa evitar que ela ocupe o espaço, que eu tenho reservado para você...

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Continuidade...













Só o passar do tempo é capaz de diminuir a dor e o vazio que a partida de um ser querido deixa dentro de nós. Depois eles vão aos poucos sendo preenchidos pela gratidão que surge diante das lembranças de todos os bons momentos compartilhados. Ela deixa em nós uma suave saudade, que confirma que ali morou um sentimento verdadeiro!
Não é preciso apressar a cura – ela só virá no tempo certo. Saberemos que ela tornou-se uma realidade quando as lembranças já nos fizerem sorrir ou tiverem o poder de nos confortar, quando a saudade apertar um pouco mais dentro do peito. Afinal, quem tem um bom motivo para recordar nunca poderá dizer que ficou sozinho...

Para todos os seres queridos que já se foram...

Novas janelas...


A comoção mundial pela morte de Steve Jobs, o gênio da informática que desenvolveu e comercializou desde uma das primeiras linhas comercialmente bem sucedidas de computadores pessoais até os atuais e arrojados iPod, iPhone, iPad etc., fez-me recordar uma frase de Nelson Rodrigues, importante dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro, na qual sintetiza uma mudança coletiva de comportamento nos tempos modernos: “A televisão matou a janela”. A realidade demonstra que desde o início, mas de maneiras diferentes, ambos intuíram que novas possibilidades iriam surgir, mostrando em tempo real e bem de perto, horizontes longínquos, que provavelmente nunca iremos conhecer pessoalmente. Enquanto as janelas físicas se esvaziam de rostos e olhares, que já não mais espiam ou conversam com outros rostos que passam, dentro das casas e apartamentos milhares de outras janelas se iluminam ininterruptamente. Em frente a elas, mãos teclam e bocas conversam tendo a visão perfeita de outro rosto, que pode estar perto, distante ou do outro lado do mundo!
Janelas... Quem ainda fica a olhar através de simples janelas? Quem quer ver apenas um horizonte, se seu olhar pode alcançar todos que quiser com um simples apertar de teclas? Um número crescente de pequenas janelas estão se abrindo diante de bilhões de olhos maravilhados! Janelas que podem ser levadas no bolso para todos os lugares - que também conversam, tocam música, participam de redes sociais e viajam pelo mundo com um simples toque do dedo indicador.
Se Nelson Rodrigues voltasse aos nossos dias, certamente ficaria surpreso ao saber que nos tempos atuais os olhares das famílias dificilmente se reúnem em torno da televisão. Agora os pares de olhos ficam presos quase que em tempo integral em novas janelas pessoais, de cores e tamanhos diferentes. Não há dúvida que os benefícios que a tecnologia traz são fantásticos! Suas conquistas apenas tornam-se preocupantes quando o que se vê e se fala com o mundo que está distante, ganha em importância para o que se olha e se fala com o mundo que está a nossa volta.
Contudo, alguns seres ainda reservam um espaço em seu dia a dia para seus antigos hábitos. Eles se mantêm atentos ao que se passa do outro lado das velhas, conhecidas e boas janelas – seja para espiar o mundo que está lá fora ou apenas dentro de si.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Dança da chuva


De repente, a abençoada chuva caiu! Ainda mansamente, sem os arroubos da próxima estação. O primeiro impulso foi deixar voltar a criança - esquecer cerimônias, andar com os pés descalços pela calçada, saltitar a procurar poças d’água. Sentir o cheiro de terra molhada impregnar as narinas, a repentina umidade abrandar as securas da alma.
A alegria e singeleza desta cena provoca muitas lembranças. Sensações da menina da infância, a prerrogativa de alegrar-me com os pequenos fenômenos que ocorrem dentro ou fora de mim. A chuva é também promessa de tempos melhores, de uma nova estação que em breve, irá desabrochar - intensa, cores em abundância, cheiros e sabores que irão se espalhar no ar... Que irão outra vez deixar o meu, o seu, o nosso coração em festa!

Coração Imortal


 
 
 
Muitas guerras já aconteceram e a todas elas você sobreviveu. Muitas lutas internas foram travadas e mesmo assim você se recuperou. Quando pensam que você não vai mais funcionar como antes, você de novo surpreende, reinventando jeitos e formas de retomar o ritmo normal da vida. Se hoje já não é tão perfeito e tão inteiro como antes, você ainda assim se reconstrói, tendo por inspiração o modelo original criado por Deus. Você sangra, sofre enganos e mesmo assim se cura - de todos os males, todas as dores, de todas as feridas. Ainda assim confia que haverá de encontrar uma centelha de bem dentro de cada ser!
As pessoas por vezes se interrogam qual o seu segredo para não sucumbir. A grande maioria acredita que dentro de você foram armazenadas todas as esperanças que outros perderam por aí. Uma parte desconfia se realmente viveu tudo isto, ou se apenas inventou. Outros afirmam que isto só pode ser uma benção de Deus. Sem querer excluir qualquer uma delas, decidi pesquisar por conta própria. Colhi fatos, relacionei todas as parcelas de motivos, somei as tristezas e subtraí das muitas alegrias que encontrei; ignorei os desamores e dividi tudo pelo tempo. Depois de fazer toda essa operação, descobri o inimaginável: você apenas e tão somente acredita que é um coração imortal!

Mudança de Foco


Ela tentou segurar-se nos derradeiros pilares de sua lucidez, enquanto olhava desolada à sua volta, perguntando-se internamente por onde começar o processo de reconstrução. O forte vendaval havia tirado quase todas as coisas do lugar e havia muito pouco do velho a ser resgatado. Apesar da dor e da tristeza que este fato lhe causava, compreendeu que era necessário completar a limpeza iniciada pela natureza, que só arranca do chão o que não tem raízes ou alicerces profundos e resistentes. Quando enxergou os fatos por essa nova perspectiva, ela conseguiu sorrir mais aliviada... Afinal, pensou, nenhum acontecimento pode ser tão completamente bom ou só totalmente mau. A alquimia consiste justamente em transformar a realidade, de alguma maneira, em algo mais atraente. Se os acontecimentos externos revelavam uma catástrofe, era preciso acertar o foco para dentro de si. Afinal, o que parece ruim para fora pode ser extremamente benéfico para dentro, justamente onde tudo recomeça e se renova.

Sistema Imune


“Eu me sinto velha, mas não muito sábia”. Essa afirmação, dita com certa amargura por uma jovem, imediatamente chamou minha atenção. Além de inusitada, fez-me perceber que na mesma idade, a minha compreensão era oposta à dela. Acreditava que, com o passar do tempo, a experiência faria de mim uma pessoa cada vez mais sábia. Como conseqüência lógica, isto traria mais acerto para as minhas ações e aprimoraria minha capacidade de avaliar pessoas e fatos. Depois, a própria realidade foi se encarregando de diminuir meu otimismo e mostrando, com riqueza de exemplos, que tempo e sabedoria não são necessariamente fatores interdependentes e que ilustração apenas não é conhecimento, como equivocadamente chegou a acreditar a minha ingênua mocidade.
Ocorre que os acontecimentos se repetem com roupagens diferentes, o que dificulta o aprendizado consciente - indispensável para a prevenção e imunização contra os repetidos enganos a que todos estamos sujeitos no dia a dia. A visão romântica das pessoas e fatos também faz confiar que atitudes acertadas e dignas de uma parte despertam, por correspondência, outras de igual valor da parte contrária.
Porém seria muito simplista reduzir as dificuldades de avaliação apenas a esses dois fatores. Além do fato de que caráter, consideração, sinceridade, honestidade, entre outras, mais que uma resposta às atitudes de outrem, são manifestações de valores e princípios ensinados e cultivados desde o berço. E mesmo quando recebem uma educação diferenciada, baseada em princípios éticos e morais elevados, alguns seres não conseguem se manter fieis a eles, atraídos pelas facilidades que podem obter ao fazer uso de uma moral mais elástica.
À semelhança do complexo sistema contra invasões externas presente no corpo humano - o chamado sistema imune, o desafio do aprendizado diário é ajudar a formar anticorpos. Assim como o organismo adquire a capacidade de resistir ao mesmo agente infeccioso no caso de uma nova infecção, é preciso adquirir a capacidade de criar o próprio sistema de defesa, para evitar a repetição de enganos, ainda quando camuflados em palavras de bem. Seguindo todos esses cuidados é possível que tempo e sabedoria adquiram certa equivalência...