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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Conto: Fruta no pé


O amor pela pretinha vem de longe, desde os tempos da infância, passada nas ladeiras de Diamantina. O gosto talvez tenha sido aprendido com a mãe, que também morria de amores pela fruta. Quando as primeiras chuvas caiam na serra, contavam-se os dias para que elas amadurecessem e as gentilezas entre amigos começassem nas terras mineiras. A chácara de uma amiga de sua mãe era seu verdadeiro paraíso e o convite para saborear a fruta no pé era recebido com festa! Diante das árvores cobertas desde o tronco das frutinhas pretas, ela corria de lá para cá, experimentando e identificando as diferentes doçuras de cada uma. Tentava se fartar daquela polpa esbranquiçada e doce, para aproveitar bem a oportunidade que, afinal, só voltaria a acontecer no próximo ano ou na chácara do próximo amigo dos pais e irmãos!
A infância ficou para trás, a mãe partiu, as serras de Minas foram trocadas pelo horizonte retilíneo do planalto. Só o gosto pelas jabuticabas permanece até hoje e por ele se dispõe a fazer loucuras, já distante da abundância e da cortesia mineira. Quando o acaso lhe traz alguma oportunidade de saboreá-las, não a deixa escapar!
Lembra-se de um fato pitoresco, ocorrido muitos anos atrás. Estava de visita a um casal de amigos, numa cidadezinha antiga de Goiás. Enquanto passeavam pela cidade, deparou-se com uma casa, cujo quintal estava cheinho de pés de jabuticaba! Ficou maravilhada! Imediatamente dispôs-se a pedir permissão à dona da casa para experimentar as frutinhas pretinhas, de tão maduras. Porém, os amigos não a encorajaram muito. Segundo eles, a proprietária daquele paraíso não era lá muito afeita a agrados. Mesmo assim, decidiu arriscar-se. O máximo que poderia acontecer era receber um não! Passou-se um tempo até que uma senhora apareceu à porta. Assim que constatou que não era alguém conhecido, fez cara de poucos amigos. Com o firme propósito de ser atendida, fez o pedido lançando mão de toda sua simpatia. Mesmo assim a senhora não mudou de expressão e deixou claro que não vendia, não alugava e nem gostava de ver ninguém que não fosse previamente convidado a saborear suas frutas.
- E agora? Ela até salivava, de frente para a fisionomia carrancuda, enquanto vasculhava a mente em busca de uma ideia salvadora. Mentalmente lembrou-se da brincadeira de infância “gostosuras ou travessuras?” e sorriu para si mesma.
- Puxa, é que eu estou grávida – soltou num ímpeto. Sou doidinha por jabuticabas!
A mulher, surpreendida, olhou imediatamente para seu abdome magro, onde não viu qualquer volume que indicasse uma gravidez.
Ao acompanhar o olhar averiguador, ela ainda tentou estufar a barriga para fora mas, antes que a outra dissesse alguma coisa, completou:
- Estou com dois meses apenas – e acompanhou a fala com um olhar suplicante. Pronto, estava dito! Quase fechou os olhos para só ouvir a negação! Um silêncio incômodo se seguiu. Percebeu então que, ainda que pairasse uma dúvida sobre sua afirmação, a senhora recuou. Afinal, negar o desejo de uma mulher grávida é sempre um ato abominável, não importam quais sejam os costumes pessoais. Depois de alguns segundos, que pareceram uma eternidade, a dona da casa cedeu, ainda que a contragosto. Assim, ela e os amigos foram encaminhados ao quintal, com muitas recomendações e proibições.
- Só podem experimentar desse único pé! Os demais estão reservados para familiares que vão chegar – disse ela categórica!
Ela olhou para o pé quase pelado e, mesmo assim, seus olhos brilharam diante da promessa doce. Começou a pegar uma daqui, outra dali, timidamente, mas, assim que a dona da casa deu-lhe as costas, subiu rapidamente no pé. Logo, já estava lá em cima, onde seu aprendizado lhe ensinara que ficavam as frutas mais doces.
Seus amigos riam e conversavam sobre a aventura. Ela nem falava. Aliás, mal respirava! Precisava aproveitar bem a oportunidade!
Estava assim, totalmente envolvida na ação, quando a voz da dona da casa se fez ouvir, quase saída do nada:
- Não é perigoso você estar ai em cima, já que está grávida? Pode cair e machucar o bebê.
Apanhada de surpresa, ela balbuciou uma desculpa e sorriu sem graça.
- Eu fui subindo devagar e, quando me dei conta, já estava aqui em cima.
Mas, a dona da casa não se mostrou amigável e continuou plantada no lugar, como anunciando que a degustação já estava encerrada. Imediatamente, todos se dispuseram a ir embora.
Nesse momento sentiu toda sua alegria inicial se desfazer, ao dar-se conta da situação delicada em que envolvera a todos. Ao chegar à porta, aproximou-se da velha senhora e lhe deu um abraço carinhoso! Entre lágrimas, desmentiu sua pequena mentira, mas também contou sobre a paixão que nasceu na infância e os costumes mineiros. Mesmo sabendo que não tinha agido corretamente, queria expressar o quanto a generosidade dela a fizera feliz!
Surpreendida pela sinceridade e delicadeza de suas palavras, a senhora baixou a guarda - retribuiu o sorriso e o abraço. Em seguida fez o convite para que voltasse no próximo ano e sempre que quisesse. Ela iria reservar um pé de jabuticaba todinho, especialmente para ela!
Saiu dali refletindo sobre o ocorrido. Podia afirmar que todos haviam aprendido alguma coisa com aquele episódio. E a certeza que a verdade, quando dita da forma correta, abre novas possibilidades.
Porém, voltando às saborosas pretinhas, confirmou para si mesma que seu oferecimento cria a oportunidade para aquele que a possui, de ser generoso com os menos favorecidos pela natureza, literalmente! Para si mesma, a oportunidade de matar a vontade e a saudade da infância, lá nas serras de Diamantina!

Um comentário:

Liele disse...

Ahh! Esse com certeza é a sua cara né mãe? hahaha Jabuticabas!!! Também adoro! Filha de Iris! kkk Bju!!