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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Lendas...

 
Tia Joana desceu na plataforma da estação, ao entardecer de mais um dia frio de junho. Viúva de um tio de sua mãe, era uma figura estranha para se olhar. Usava vestido preto de mangas compridas e botas de cano curto. Trazia um guarda-chuva esquisito, pendurado no braço, enquanto um chapéu mais esquisito ainda cobria sua cabeça pequena. Corpo mirrado, pele morena, olhos escuros penetrantes, que tudo pareciam enxergar. De sua boca pendia um inseparável cigarro de palha, que ela enrolava cuidadosamente, para depois acender, deixando o ar irrespirável ao seu redor.
Foi assim que ela invadiu seu mundo infantil! Apesar dos protestos de sua mãe, que sabia dos temores noturnos das crianças, tornou-se uma contadora de estórias para a garotada. Nas noites de chuva ou de lua cheia, sua voz rouca povoava seu imaginário de contos de fadas e histórias da carochinha, fantásticas ou fantasmagóricas, que prendiam sua atenção e depois enchiam de sustos seu sono.
Entre tantas que contara, em especial lembrava-se de uma lenda que falava da existência de um tesouro ao “fim do arco-íris”! Seus olhinhos de criança ficaram cheios de assombro e cobiça, ao pensar na possibilidade de ter em suas mãos aquele inesgotável pote de ouro. Assim, a cada arco-íris que se formava no céu, seus pensamentos partiam em busca daquela desejada recompensa.
Tia Joana ficou para trás, no seu passado e as fantasias da infância foram diluídas pelas águas da realidade. Certamente deixaram resquícios, conceitos e imagens que, algumas vezes, ainda moviam suas ações. Na vida real o pote de ouro foi substituído por recompensas mais sutis e pessoais. Ainda que inconscientemente, esperava encontra-las ao final de cada tempestade que ocorria em sua vida; após alguma jornada que se fazia mais sofrida. Sem sentir, voltava a esperança disfarçada de encontrar o “pote de ouro” - algo ou alguém que fizesse esquecer todas as dores e lutas que precisara enfrentar para vencer seus obstáculos. Por isso, experimentava uma sensação incômoda diante da realidade, ao constatar que não havia nenhuma recompensa, nem amores eternos ou alegrias inesgotáveis ao final de cada batalha.
Comprovar essa ilusão em que se apoiara tantas vezes, feria sua inteligência e maltratava sua sensibilidade. Afinal, quando os sonhos que nos inspiram são desmistificados, a luz da realidade fere os olhos acostumados ao luar.

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