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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Janelas...


Pela janela, ela olha o cinza do céu que se espalha pela tarde molhada de domingo... Poucas pessoas se animaram a sair de casa e a rua vazia causa nela uma estranheza que não sabe traduzir. Uma certa nostalgia se esgueira pelos vãos de seu corpo e se mistura com as suas vontades. Escorrega entre as cobertas, para aquecer o corpo e liga a TV, para ver se encontra um filme interessante. Com os olhos fixos na tela, sente que um fio invisível vai puxando suas lembranças. Ouve o barulho da chuva batendo na janela... o chiado dos pneus dos carros no asfalto molhado... os gritos das crianças brincando na chuva... o chec chec ritmado da Maria Fumaça... o apito comprido e entrecortado do trem... Piuíííí!
De repente ouve o grito agudo de Dona Lia!
- Judiiite, olha a chuva! Onde estão as meninas?
- “Devem tá brincando lá no largo, com a meninada”...
- Chame elas lá... Não param mais dentro de casa, vivem na rua! Vá lá, rápido!
- Elas tão de férias, uai - fala Judite baixinho, para Dona Lia não ouvir.
E sai segurando um pano na cabeça para não pegar resfriado. No portão do jardim que dá para a rua, solta um grito comprido, fechando os olhos por causa da chuva:
- “Liiiiiilis!!! Lianaa!!! Sua mãe tá chamando."
Tamanha é a folia da criançada, que elas nem ouvem! A chuva repentina de verão só faz aumentar a algazarra! A menina maior agora brinca de queimada, correndo e pulando igual uma cabritinha para não ser apanhada pela bola. A menina menor, seu inseparável “rabinho”, mesmo sem participar da folia, está sentadinha nos degraus da casinha do tempo, do posto de meteorologia. Sabe-se lá o que se passa por sua cabecinha, enquanto parece olhar em direção às crianças. Judite, depois de esperar um pouco para ver se elas vêm, volta para dentro de casa com seus passinhos miúdos.
- “Dona Lia, elas não quiseram vir não. Tão numa folia só lá no largo”!
Dona Lia, preocupada com um possível resfriado, deixa a máquina de costura e vai ela mesma chamar as filhas... No portão, para e dá um grito comprido e enérgico!
- Liiii-less! Lianaaa! Jáaaa pra deeeentro!!!!
A folia das meninas acaba imediatamente! Esse grito é inconfundível! É hoo-jee! Na mesma hora as duas saem correndo, a maior na frente e a pequena correndo atrás, no ritmo que suas perninhas aguentam. Vêm que vêm... quando a mãe chama assim, não é bom sinal! A tentativa delas é ver se conseguem passar pelo vão que fica entre Dona Lia e o portão, mantendo-se o mais longe possível dos braços e mãos da mãe! Mas, a tentativa mais uma vez é inútil! Ali mesmo as bundinhas molhadas já levam uma palmada!
- Que coisa, nunca conseguem se livrar! pensam.  Pior é saber que lá dentro a mãe ainda vai ralhar mais com elas! Não dá outra! Depois, entre choramingos, tomam banho e vestem roupas secas e quentinhas. Já penteadinha e ainda chorosa, a menorzinha vai se ajeitar em cima do encosto do sofá, em frente à vidraça da janela, para olhar a rua. A chuva forte faz poças d’água entre os canteiros do jardim. O largo esta vazio e a estação da Central também não tem ninguém à vista. Mas, sua mentezinha já não está mais ali – já voa livre e solta de um ponto a outro... Vai atrás do passarinho que pousa no beiral do telhado. Dependura-se no fio de água que desce dos pendões das giestas... Acompanha a gota d’água que escorrega na vidraça, juntando outras gotinhas que encontra pelo caminho até que, bem maior, ganha velocidade e some no parapeito da janela. Ouve o barulho do vento que passa ligeiro entre as copas das árvores...
A noite surge prematuramente! O cheiro gostoso da comida da Maria se espalha pela casa. Ela desce do sofá e vai para o quarto que divide com a irmã. Sente frio e quer ficar aconchegada um pouquinho. Basta escorregar entre as cobertas que seus olhinhos vão se fechando, embalados pela doce voz da mãe, que agora canta uma linda canção, que faz seu coraçãozinho se apertar, mesmo que não a entenda... recorda os gritos das crianças brincando na chuva... o chec chec da Maria Fumaça... o apito comprido e entrecortado do trem... Piuíííí...
Acorda assustada! A TV continua ligada em um filme qualquer. Vira-se para a janela e vê o cinza do céu que continua a se espalhar pela tarde molhada...

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