As lembranças voltam pouco a pouco, puxadas pelo fio invisível dos sentimentos. Os olhos enxergam sem ver, atraídos pelas imagens que vão surgindo, como se projetadas no ar, hologramas vivos de outros tempos. Por própria vontade, abre outra fenda no painel do tempo, trazendo o registro visual das lembranças...
Vê uma jovem, cujas mãos tecem, no ritmo cuidadoso de uma aprendiz. O olhar ansioso e concentrado acompanha os dedos, que tentam ser mais ágeis que o tempo. O prazo se esgota mais rápido do que poderia prever. Enquanto tece o agasalho, usa do novelo de lã e tece também planos, tece sonhos, tece sentimentos, tece o futuro de duas vidas. Este seria o seu presente para alguém muito querido!
De repente, um ponto se perde e coloca em risco a qualidade do trabalho. Diante do imprevisto, ela se desespera. Não sabe o que fazer... Logo é socorrida pela mãe, a dedicada artesã maior, que se apressa por ajudá-la e rapidamente recuperar aquilo que foi perdido. Assim, apesar das pequenas falhas ocorridas, ao final não se percebe nenhuma irregularidade na malha.
No tempo certo, a peça fica pronta - o presente é embrulhado e entregue! Uma pequena vitória para a aprendiz de tecelã! Nos seus olhos ficaram registrados o brilho e a alegria dos olhos de quem ganhou o presente – uma doce recompensa pelo esforço e empenho de longos dias de trabalho. Já no coração de quem recebeu ficou a agradável surpresa do feito; junto com a suavidade da lã recebeu uma parte do carinho de quem nele pensou. Afinal, aquele não era apenas um presente a mais: pela magia que sempre há nos sentimentos, era parte de suas vidas – também tecidas e misturadas com a lã, cuidadosamente trabalhada.
Hoje, os tempos são outros. Os dedos da aprendiz agora brincam e correm pelo papel – tornou-se uma pequena artesã das letras. Na criação solitária, seus dedos agora tecem palavras, frases, textos, cartas... Que também tecem planos, tecem sonhos, sentimentos... Que projetam e tecem cuidadosamente futuros realizáveis, felicidades possíveis. Hoje eles recuperam e fixam momentos de um passado mais recente. Mas, o passado mais antigo, este ficou guardado na memória silenciosa dos fios usados pela vida para tecer suas histórias.
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